JOAQUIM NUNES COUTINHO CAVALCANTI (1906-1960)*


Clayton Romano
Historiador - Membro do PCB-Rio Preto

Como se sabe, a trajetória dos comunistas é parte constitutiva - indissociável até - da história de lutas da classe trabalhadora e da esquerda partidária no Brasil.

Fundado em 1922 sob forte influência da Internacional Comunista (órgão criado pelos bolcheviques russos com a tarefa de consolidar as palavras de Lênin e fazer da revolução de 1917 o farol dos proletários em todo o mundo), o Partido Comunista Brasileiro desempenhou importante papel na formação política e cultural do país ao longo do século 20. Além da organização classe operária próprimente dita, basta lembrar de alguns nomes para se comprovar a eficácia da função sócio-pedagógica desenpenhada pelo PCB: Caio Prado Júnior, Cândido Portinari, Jorge Amado, Dias Gomes, Oscar Niemeyer, Ferreira Gullar....

Nestas terras de Iboruna [1], a presença do "espectro" do comunismo também remonta ao início do século passado. E ao contrário do que se poderia supor de antemão, a dificuldade de acesso, a distância em relação ao grandes centros, em especial o Rio de Janeiro, não impediu que a utopia comunista chegasse até Rio Preto.Pelo menos desde o início dos anos 10, era comum a elite da cidade enviar seus filhos à capital da República, certa de que lá estavam as melhores instuições de ensino do Brasil. Tal prática motivou uma aproximação cultural e mesmo "geográfica"- antes improvável - entre Rio Preto e Rio de Janeiro.

Não resta dúvida de que, quando voltavam de lá, os estudantes traziam sempre novidades na bagagem. O gosto pelas Ciências, pelas Letras, a vocação para as Artes Cênicas e Plásticas, tão incomuns nos rincões deste Brasil, aqui se tornaram elementos constitutivos da identidade cultural da cidade. Até mesmo o viés cosmopolita da elite riopretense, ainda vigente, parece expressar alguns traços daquele contato "intelectual" com a velha capital da República.

A migração de cariocas para o sertão de Iboruna também foi determinante. As bases da medicina praticada em Rio Preto, por exemplo, vieram de profissionais oriundos do Rio de Janeiro. Raul Jansen Ferreira e Eduardo Floriano Lemos, dois dos precurssores da medicina na cidade, eram formados no Rio, ambos pela Faculdade de Medicina da Praia Vermelha (ver: Nilza Prata Bellini. Histórias e Memórias - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, 1998, p. 9).

E com o comunismo não foi diferente...

Como não poderia deixar de ser, sua difusão na cidade se deu a partir da elite. Afinal, como decifrar e ser portador do materialismo dialético num contexto (início dos anos 30) em que a maioria absoluta da população não sabe ler ou escrever?

Instalada por volta de 1890, a colônia italiana poderia ter sido outra difusora do comunismo, uma vez que desde o início da década de 1910, "os italianos tinham uma atuação pública efervescente na cidade, fundando nesta época a Banda União Operária e a Liga Operária".

Contudo, além da conhecida proximidade dos italianos (e espanhóis) com as idéias anarquistas, a chegada de Romoaldo Negrelli na década seguinte teria alterado profundamente o significado do ímpeto combativo e associativo dos itálicos, impedindo qualquer aproximação com o marxismo:

"Abastado financeiramente, Romoaldo deu um novo perfil à colônia italiana, fundando na cidade a Sociedade Italiana Cesare Battisti e o Partido Nazionale Facista - Fasci All'Estero (Sezione di Rio Preto), resumindo: Partido Fascista de Rio Preto" (Dicionário Rio-pretense, 2001, p. 154).

Com isso, coube mesmo à poucos membros membros da elite local os primeiros registros do comunismo em Rio Preto. Talvez o primeiro e mais reconhecido deles tenha sido Coutinho Cavalcanti.

Médico e notório comunista, Joaquim Nunes Coutinho Cavalcanti nasceu em Recife/PE (1/3/1906) e morreu em 28/11/1960, no exercício do terceiro mandato como deputado federal (1951-54/1955-58/1959-60) pelo PTB [2]. Antes havia sido vereador (1936-37), secretário estadual da Saúde e Assistência Social (1956), presidente do Automóvel Clube (1937 e 1950) e prefeito de Rio Preto durante 17 dias, de 1° a 17/4/1935.

Aliás, a história não poupou Cavalcanti de ser vítima em uma das cenas mais infames produzidas pela política local. De acordo com o Dicionário Rio-pretense (2001), "em 15/3/1936, foram realizadas eleições municipais em todo o País para eleger vereadores. Para a Câmara Municipal de Rio Preto, foram eleitos 13 vereadores. O Partido Constitucionalista (PC), liderado pelo médico Coutinho Cavalcanti, foi o vencedor das eleições, elegendo sete vereadores. Nessa eleição, a exemplo das eleições indiretas da República Velha, o prefeito foi eleito pelos vereadores, com a diferença de que desta vez a Câmara podia eleger um candidato que não fosse vereador".

Líder do PC, Cavalcanti estava praticamente eleito prefeito, graças à bancada majoritária do partido. Contudo, "apesar de a eleição ter acontecido em março, a posse dos vereadores só ocorreu em 20 de setembro. Durante esses seis meses, toda a cidade já considerava Cavalcanti como o próximo prefeito".Eis que no dia da votação, tendo o coronel Victor Brito Bastos como adversário, Coutinho Cavalcanti foi traído por "Zé Prudêncio", "que votou contra os interesses do partido [Constitucionalista], favorecendo seu amigo e compadre Brito Bastos". Resultado: Cavalcanti perdeu para o coronel Bastos por 7 votos a 6. Segundo o Dicionário (2001), "o caso teve repercussão nacional. O jornal Folha da Manhã (atual Folha de S.Paulo) classificou o episódio de Rio Preto como uma 'crise de caráter'" (p. 146-147).

Infame!

E o pior é que isso acontece ainda hoje na Câmara Municipal, sem tanto alarde, claro.

Mas voltando ao comunista Coutinho Cavalcanti, há outra passagem igualmente interessante.

Como deputado federal, Cavalcanti foi autor do projeto de lei instituindo a reforma agrária no Brasil, em 1954, posteriormente arquivado pelos militares, em 1971. Diz a lenda que o projeto de Cavalcanti "teria sido aplicado em Cuba por Fidel castro; cópia do projeto teria sido levada a Cuba pelo líder revolucionário Ernesto Che Guevara" (Dicionário Rio-pretense, 2001, p. 337).

Seja como for, importa registrar a presença e a ascendência da cultura comunista na política deste sertão de Iboruna já no início dos anos 30. Naquela época ainda como algo restrito ao universo das elites locais - como o era praticamente tudo aquilo relacionado com o conhecimento -, o comunismo se tornaria mais tarde o combustível de outras importantes experiências de resistência democrática e de organização popular na cidade.

Mas isso já é outra história.Uma coisa é certa: os comunistas têm raízes históricas em Rio Preto, o que, em se tratando de esquerda na cidade, já diz muita coisa. Não?

NOTAS

[1] "Em 1944, durante as comemorações do cinquentenário da emancipação política de Rio Preto, cogitou-se assumir Iboruna como o nome da cidade. Tardia e justa homenagem aos bugres coroados, seus habitantes nativos. Porém, a proposta não prosperou. A população rejeitou a idéia e, dois anos mais tarde, o nome do santo padroeiro passou a preceder o da cidade: São José do Rio Preto...." (IBORUNA21, 24/3/2007).

[2] Com a cassação do registro do PCB, em 1948, os comunistas utilizavam a legenda de outros partidos para a disputa eleitoral, principalmente o antigo PTB getulista.

* Texto originalmente publicado no IBORUNA21 (13/6/07): "COMUNISTAS EM IBORUNA - COUTINHO CAVALCANTI (1906-1960)".

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