ANTONIO ROBERTO DE VASCONCELLOS (1916)*

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Clayton Romano
Historiador e Membro do PCB-Rio Preto
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Nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 20 de setembro de 1916, Antônio Roberto de Vasconcellos completa 91 anos na próxima quinta-feira. Nove décadas de vida, muitas delas dedicadas à construção de uma sociedade justa e igualitária. Recordar a trajetória deste bravo comunista é reviver os últimos 60 e poucos anos da história política do Brasil (e de Rio Preto) a partir de uma perspectiva monográfica e específica.
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O fracasso do "levante comunista" (ou "intentona comunista", conforme a cartilha varguista), liderado por Luís Carlos Prestes, em 1935, impôs severa perseguição aos comunistas por todo o país. Prisões, torturas e mortes em série tornaram-se matéria cotidiana e levaram o então Partido Comunista do Brasil (PCB) à quase extinção nos anos seguintes; os comunistas experimentaram primeiro a fúria da coerção estadonovista.
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Originais na organização de um partido nacional numa época de agremiações regionais, os comunistas viviam na ilegalidade desde 25 de julho de 1922, exatos quatro meses após a fundação do PCB, em Niterói/RJ. Situação agravada durante a vigência do Estado Novo (1937-1945), a clandestinidade dos comunistas permaneceria até a obtenção do registro legal do PCB, em 10 de novembro de 1945.
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Nas eleições gerais ocorridas em 2 de dezembro daquele ano, o candidato à Presidência da República pelo PCB, o engenheiro Yedo Fiuza, recebeu 10% dos votos válidos e os comunistas elegeram um senador (Prestes) e 14 deputados para a Assembléia Constituinte [1]. O PCB deixava a clandestinidade e crescia a olhos vistos, uma situação que duraria pouco tempo (em 7 de maio de 1947, o Tribunal Superior Eleitoral reconduziu o PCB à ilegalidade, condição em que permaneceu até 1985).
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Dirigente estadual do PCB em Mato Grosso, Antônio Roberto de Vasconcellos participou ativamente da reorganização dos comunistas no pós-1945 e presenciou o notável crescimento do partido: "as poucas centenas de militantes dispersos em 1942 tornam-se 50.000 em 1945 e chegam a 200.000 nos dois anos seguintes" (SEGATTO et alii, 1982, p. 67).
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Portanto, "Vasco" pertence à seleta geração de comunistas presentes no instante em que aquele pequeno partido de quadros assumira contornos de um partido de massa, quando o PCB se tornara "Partidão".
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Nessa época, os comunistas lançaram diários de massas em todo o Brasil. A partir da Tribuna Popular (RJ) [2], logo surgiram pelo país "outros jornais comunistas: Hoje (SP), Folha do Povo (PE), A Tribuna Gaúcha (RS), Folha Capixaba (ES), O Estado de Goiás (GO) e O Democrata (CE), entre muitos" (Ibidem, p. 77).
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Vasco redigiu e editou a versão campo-grandense de O Democrata de 1945 à 1964, quando teve sua "prisão decretada pela Justiça da comarca do Estado do Mato Grosso cinco meses após a instalação da ditadura militar no país" (em 27 de outubro de 1965, por força do Ato Institucional n° 2, teve seus direitos políticos cassados por 10 anos). Antes, porém, havia sido vereador em Campo Grande, entre 1958 e 1962. Em 1963, esteve na União Soviética e "freqüentou a Universidade Patrice Lumumba onde participou de aulas sobre Karl Marx".
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"Uma vez invadiram o jornal e peguei o (revólver calibre) 32. Disse que se dessem mais um passo pelo menos um eu levava comigo", relembra Vasco, em matéria recente assinada por Rodrigo Lima.
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Ainda em 1963, "ao retirar a 2ª via da certeira de identidade", Antônio Roberto de Vasconcelos passa a ser monitorado pelos órgãos de intelegência do estado brasileiro. Conforme publicou o Diário, na série Rio Preto Fichada (Domingo, 12 de agosto de 2007, p. 6A), "uma certidão da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) revela com detalhes os passos do comunista desde 1963"; os registros nos arquivos sob custódia da Abim vão até 1989 (!).
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O curioso é que tanto o primeiro registro ("visitou a Rússia"), em 1963, como o último ("eleito membro efetivo da nova CDRP do PCB"), em 1989, foram anotados sob a vigência de respectivos estados democráticos de direito, o que, em tese, retira a legitimidade de qualquer tipo de monitoramento. Contudo - e por mais paradoxal que seja -, os registros da Abin permitem refazer alguns dos passos dados pelo comunista em quase três décadas.
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Com o Golpe Militar, em 1° de abril de 1964, Vasco "refugiou-se na cidade de Hosqueta, no Paraguai, onde passou a trabalhar como padeiro". Em setembro daquele ano, o comunista - também orinudo das fileiras do Exército - "foi proibido entrar nos quartéis e repartições da 9ª Região Militar (9ª RM)".
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De acordo com a certidão da Abin, Vasco "foi indiciado em Inquérito Policial Militar (IPM), por ser considerado um dos chefes do Movimento Comunista no Estado do Mato Grosso, e ter posto em funcionamento, um partido dissolvido por força de dispositivo legal e, naquela situação, ter cometido atos enquadráveis em artigos diversos da Lei 1.802/53 - Lei de Segurança Nacional (LSN)".
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"Em 1967, residiu em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia", segundo os registros, voltando a trabalhar "como padeiro". No ano seguinte, embora os arquivos não digam nada, Vasco recebeu uma "determinação do Partido" para deixar "o Estado do Mato Grosso rumo a São Paulo", desembarcando em Bauru:
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"Foi em Jales que Vasconcellos identificou o simpatizante do partido na região, o ex-deputado federal Roberto Rollemberg. Vasco ainda se estabeleceria em Adolfo e Mendonça, onde militou politicamente com o seu filho Antônio Carlos Vasconcellos, que foi eleito vereador pelo MDB", em 1968, narra o Diário.
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Em Rio Preto, ainda na condição de foragido, Vasco trabalhou como pintor e morou com Pedro Mendonça. Seu primeiro contato com os comunistas da cidade foi através de Aloysio Nunes Ferreira Filho. Nas palavras de Vasco:
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"O Aloysinho, hoje chefe da Casa Civil do governador Serra, faz um discurso maravilhoso. Olhei a linha do discurso e pensei: esse cara é do meu partido". Após cumprimentá-lo, ele "olhou para um lado e para o outro e me perguntou: você é do partidão? Respondi: eu sou. Me disse que estava procurando uma pessoa com algumas características de comunistas. Só pode ser eu, respondi ao Aloysio, que me deu um papel com um número de telefone, dia e hora marcada para ligar".
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Dias depois, Vasco seria "levado ao 'aparelho' do PCB na cidade, onde conheceu os comunistas locais". Tempos depois, "Aloysinho" seguiria o dissidente comunista Carlos Marighela (um dos 14 deputados constituintes do PCB) e ingressaria na Ação de Libertação Nacional (ALN), lançando-se na resistência armada ao Regime Militar [3].
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Entretanto, Aloysio Filho (vulgo "Mateus") teria mais sorte que seu líder [4] e sobreviveria ao extermínio das organizações armadas de esquerda, durante a ditadura, para ser protagonista na Nova República e se tornar secretário de estado no governo de Orestes Quércia (1987-1990), vice do governador Luiz Antônio Fleury Filho (1991-1994), ministro da Casa Civil e da Justiça de FHC (1995-2002), até exercer a função de chefe da Casa Civil de José Serra (2007).
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Mesmo tendo sido convidado por Aloysio e Marighela a aderir à ALN, Vasco permaneceu fiel à linha política do PCB aprovada em 1967, isto é, posicionou-se na resistência democrática, atuando no interior da frente antiditatorial em que se convertera o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) [5]. Mas não teve jeito. Anos depois, Vasco seria preso em Rio Preto.
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Diz o Diário: "Em 18 de outubro de 1972, o 2º Exército informou a Abin em São Paulo que o comunista estava preso no 37º Batalhão de Infantaria Motorizada, em Lins". Segundo o Dicionário Rio-pretense, Vasco foi "recambiado para Campo Grande, onde ficou sete meses na prisão" (ARANTES, 2001, p. 590).
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"Tortura só houve moral", afirma o comunista.Importante frisar que, com o fim da caçada aos grupos guerrilheiros [6], as atenções dos órgãos repressivos voltaram-se ao único organismo de esquerda a lutar contra a ditadura seguindo os estreitos limites da democracia bipartidária; em resumo, com o fim da luta armada, o PCB - partidário da via democrática - tornou-se alvo e justificativa do terror praticado pelos assassinos à serviço do regime [7].
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Vasco relembra ao Diário a dificuldade de atuação política dos comunistas em Rio Preto naquela época e a repressão sofrida: "Aqui na cidade a perseguição foi na faculdade. Aqui não era nenhum centro operário, não tinha indústrias, base política". Era na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Fafi) onde se concentrava a maioria dos "simpatizantes do PCB ou comunistas na cidade".
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Sobre a repressão aos intelectuais da Fafi, porém, o dirigente comunista faz a seguinte distintição: "Perda dos direitos políticos ninguém teve (na cidade). Não era aquela diligência política. Eram simpatizantes, moderados e diferentes de nós que éramos profissionais".
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"Aqui era uma cidade pequena burguesa, reacionária e ultrapassada", provoca Vasco para sentenciar com ironia em seguida: "Hoje, tem muita gente mais aberta e que sabe que comunista não come criancinha e que não tem nariz na bunda. A humanidade evolui".
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Voltando aos registros da Abin. Em 1977, Vasconcellos "foi relacionado no 'Plano Tarrafa', da Superintendência Regional do departamento de Polícia Federal de Mato Grosso do Sul (SR/DPF/MS), como indiciado em IPM, no âmbito da 9ª RM".
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Nas primeiras eleições livres para cargos executivos (prefeito e governador) depois muito tempo, Vasco se candidata à prefeitura de Mendonça/SP pelo PMDB, com o conhecimento e o devido registro dos serviços de inteligência: "Em Set[embro de 19]82, quando candidato a Prefeito [...] providenciou a distribuição de um panfleto intitulado 'Não pague asfalto, a cobrança da taxa de asfalto é ilegal'".
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Na mesma época e sem anotações dos arapongas, Vasconcellos fundou e dirigiu o jornal Participação (1981-1985). Também nesse período, liderou a Campanha da Legalidade do PCB em Rio Preto (ARANTES, Op. Cit, p. 590).
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Novamente segundo a certidão da Abin, em 22 de outubro de 1985, Vasco "recebeu da Câmara Municipal de Campo Grande/MS, em sessão solene, um título honorífico em deferência do legislativo campograndense, conferida anualmente aos cidadãos, que de uma forma ou de outra contribuíram para a melhoria social, política e econômica do Estado"; com um detalhe: o Brasil vivia sob um governo civil - eleito indiretamente, é verdade - desde 15 de março daquele ano.
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O registro seguinte dizia: "Ainda em 1986, esteve presente ao evento de encerramento de um curso de Cultura Política, promovido pela CDMP do PCB de São José do Rio Preto, da qual era membro. Na ocasião, era suplente do Comitê Executivo do PCB/SP". Em 1988, "seu nome figurou em uma relação de integrantes da CDRP do PCB/SP".
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Por fim, às vésperas do primeiro turno da primeira eleição direta à Presidência da República em quase 30 anos, os registros informavam que "em Set[embro de 19]89, foi eleito membro efetivo da nova CDRP do PCB. [...] É o que consta nos arquivos sob custódia desta Agência Brasileira de Inteligência" (DIÁRIO DA REGIÃO. Rio Preto Fichada. Domingo, 12 de agosto, p. 6A).
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Vasco ainda coordenou a campanha de Liberato Caboclo pelo PCB à prefeitura de Rio Preto, em 1988. Caboclo - que mais tarde seria eleito pelo PDT deputado federal, em 1990, e prefeito da cidade, em 1996 - terminou aquela disputa em 4° lugar, à frente das candidaturas de PT (Cacau Lopes) e PSDB (Carlos Feitosa), respectivamente.
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Entre 1991 e 1992, Vasco foi "coordenador do Movimento Popular Prof. Manoel Antunes", além de ter destacada participação na organização de associações populares, isso desde a década de 1980. Hoje, Antônio Roberto de Vasconcellos "é nome de rua no bairro Fraternidade", na periferia de Rio Preto (ANTUNES, Op Cit, p. 590).
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E por mais que as justas homenagens não exaltem devidamente, o fato é que a trajetória do velho e bom Vasco se constitui na história viva dos comunistas em Iboruna nos últimos 40 anos.
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E por mais que seja absurdo narrar a biografia de um militante político a partir de registros dos serviços de inteligência e de inquéritos policiais - fato que dá a exata medida do nível de repressão praticado contra os comunistas brasileiros -, a vida de Antônio Roberto de Vasconcelos pode - e deve - ser vista como prova cabal da vinculação dos comunistas com a luta democrática.
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Talvez menos pelo rigor das idéias e mais em razão das circunstâncias, o certo é que não há como negar as inúmeras ocasiões em que Vasco foi flagrado lutando em favor da democracia; uma democracia comunista, diga-se, pautada na unidade das forças democráticas e orientada pelos interesses da classe operária. Na maioria das vezes, a luta democrática significava a luta pela própria sobrevivência.
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E este parece ser o exemplo maior legado por Vasco às novas gerações comunistas.Trata-se da questão democrática; questão que atravessou o século passado e permanece incógnita aos comunistas do 21.
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Será possível lutar pela emancipação de todos explorados pelo capital e seu sistema, em meio à parafernália eletrônica e à individualização progressiva nas relações sociais, sem que os comunistas se dediquem efetivamente ao aprofundamento da democracia em todos os níveis da sociedade?
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Será possível conquistar postos avançados na luta pela hegemonia política, bem como se empenhar na realização plena de interesses proletários - cuja finalidade, todos sabem, é a superação da própria condição de exploração entre homens e mulheres, entre capital e trabalho -, sem que os comunistas estejam integralmente envolvidos à agenda democrática do país (isto é, com sua práxis orientada para o fortalecimento da instituições da República, forçando seu alargamento até consolidar a presença das massas; para a reivindicação do acesso proletário ao mundo da cidadania, ao mundo dos direitos; para os embates eleitorais, vistos não como mera tática, mas utilizados como palcos privilegiados para o necessário e urgente diálogo dos comunistas com a sociedade; etc.)?
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Parabéns, Vasco!
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NOTAS
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[1] Nas eleições gerais de 2 de dezembro de 1945, o PCB "concorreu em todos os estados da Federação e, dos 5.919.527 votos, recolheu 511.122. O seu candidato à Presidência da República, Yedo Fiuza, um engenheiro não-comunista, lançado a menos de um mês das eleições, recebeu 10% dos votos válidos. Prestes foi eleito senador pelo Distrito Federal (e deputado por três estados) e o partido conduziu à Câmara dos Deputados 14 representantes - Gregório Bezerra, José Maria Crispim, Maurício Grabois, Claudino José da Silva, Joaquim Batista Neto, Osvaldo Pacheco, Abílio Fernandes, Alcides Sabença, Agostinho Dias de Oliveira, João Amazonas, Carlos Marighela, Milton Caires de Brito, Alcedo Coutinho e Jorge Amado, a que se somaram posteriormente, eleitos sob outra legenda (do Partido Social Progressista, PSP), Pedro Pomar e Diógenes Arruda Câmara. [...] Nas eleições estaduais de 1947, concorrendo sob outras legendas, a posição do partido - consagrado como o quarto partido nacional em expressão eleitoral - consolidou-se: dentre 855 deputados eleitos em todo o país, 46 eram comunistas, que recolheram 479.024 votos de um total de 5.185.250. O PCB recebeu maciça votação em um sem número de municípios e, no Distrito Federal [Rio de Janeiro], tornou-se majoritário (numa Câmara de 34 vereadores, 18 eram do PCB)". In. SEGATTO, J. (et alii) PCB - Memória Fotográfica 1922-1982. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1982, p. 84.
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[2] "A 22 [de maio de 1945], o PCB lança um diário de massas, no Rio de Janeiro: Tribuna Popular, em cuja direção estavam Pedro Motta Lima, Álvaro Moreyra, Aydano do Couto ferraz, Dalcídio Jurandir e Carlos Drummond de Andrade". Ibidem, p. 77.
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[3] Inclusive, há registro de que parte do treinamento "militar" destinados aos estudantes da ALN teria ocorrido em Rio Preto, por intermédio de Aloysio: "Heroísmo total. Os jovens que entravam na luta armada abraçavam a causa com ânimo da vida desafiando a morte. Yoshitane Fujimore, jovem técnico em eletrônica, fora recrutado por Eduardo Leite, militante comunista dissidente, com uma única abordagem. No primeiro treinamento de tiro que faz, num sítio em São José do Rio Preto, Fujimore espantou a todos pela sua precisão e pontaria". In. MIR, L. Revolução Impossível - A esquerda e a luta armada no Brasil. São Paulo: Best Seller, 1994, p. 306. Para a militância de "Mateus" na ALN, ver também: DIÁRIO DA REGIÃO. Rio Preto Fichada - O guerrilheiro que virou ministro. Domingo, 9 de setembro de 2007, p. 3A-6A.
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[4] Na noite de 4 de novembro de 1969, Marighela compareceu a uma emboscada armada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, na Alameda Casa Branca (São Paulo/SP), e que contou com a cumplicidade de freis dominicanos: "O líder guerrilheiro vai caminhando tranqüilamente e, antes de entrar no carro, cumprimenta Lesbaupin quando este lhe abre a porta. Mal acaba de sentar-se, os dois freis abrem as portas e atiram-se no chão, o sinal acertado previamente com os policiais. Um fogo pesado o abate instantaneamente". Ibidem, p. 460. Para a versão do fuzilamento de Marighela segundo a ótica dos dominicanos, ver: BETTO, F. Batismo de Sangue. São Paulo: Círculo do Livro, 1982.
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[5] Diz textualmente a Resolução Política do VI Congresso, aprovada na clandestinidade, em dezembro de 1967: "Os comunistas lutam pela realização de eleições livres e directas. A participação nas eleições, mesmo com o sistema eleitoral vigente que impede a manifestação democrática do direito ao voto, é um importante meio para unir as correntes que se opõem à ditadura, para desmacarar sua política diante das massas e infligir-lhe derrotas que a debilitem. É necessário, ao participar das eleições, procurar a união das forças contrárias ao regime ditatorial, apoiando candidatos que representem essas forças e mereçam a confiança do povo". In. PCB. PCB: vinte anos de política - Documentos (1958-1979). São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1980, p. 182. Durante o VI Congresso, "divergências [em relação à Resolução aprovada] conduziram para fora do partido numerosos militantes e dirigentes conhecidos, que tomaram caminhos diferentes - entre eles, Mário Alves, Carlos Marighela, Jacob Gorender, Jover Telles, Apolônio de Carvalho, Joaquim Câmara Ferreira e Miguel Batista". In SEGATTO, J. (et alli), Op Cit, p. 140.
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[6] "A morte de Lamarca e Barreto, executados pelo Exército no sertão baiano em dezembro de 1971, pode fornecer a data para o fim do ciclo da 'esquerda revolucionária'". In. SADER, E. Quando novos personagens entraram em cena. 3ª reimp. Rio de Janeiro, 1995, p. 168.
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[7] "A 14 [de março de 1971], em reunião do Comitê Central do PCB [...] resolve-se que, de dois em dois anos, por eleição, será modificada a composição da Comissão Executiva e do Secretariado do organismo. Decide-se também enviar para o exterior um terço do Comitê Central, de forma a criar uma reserva de direção em face dos ataques da repressão". Em julho de 1972, a repressão atingiu o PCB em São Paulo; "entre outros são presos e torturados os dirigentes regionais Dagosan, Moacir Longo, Alberto Negri e Coutinho". No mês seguinte, prisões de dirigentes no Rio de Janeiro e a morte do membro do PCB, Célio Guedes, "assassinado pela repressão no Rio de Janeiro provavelmente a 15 [de agosto de 1972]". Em março de 1974, "provavelmente a 18, são seqüestrados e posteriormente assassinados pela repressão os comunistas José Roman e David Capistrano da Costa, este do Comitê Central do PCB. Estes crimes se inserem no projeto da repressão, agora acelerado, que visa a eliminação dos quadros dirigentes do PCB". Eis a relação dos comunistas mortos pelo Regime Militar, entre abril de 1974 e abril de 1976: João Massena de Melo, Válter Ribeiro e Luís Inácio do Maranhão (27/4/74); Élson Costa e Hiran Pereira (11/1/75); Jaime Miranda (26/2/75); Itair Veloso (20/5/75); José Montenegro de Lima (30/9/75); Orlando Bonfim Jr. (9/10/75); Wladmir Herzog (25/10/75); Manoel Fiel Filho (16/1/76); Nestor Veras (29/4/76). In SEGATTO, J. (et alii), Op Cit, p. 147-154.
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Rio Preto, 16 de setembro de 2007.
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Foto "Aos 91 anos, Vasconcellos durante entrevista em seu apartamento" (Pierre Duarte/Diarioweb)
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* Texto originalmente publicado no IBORUNA21 (16/9/07): "COMUNISTAS EM IBORUNA - ANTONIO ROBERTO DE VASCONCELLOS (1916)".
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MOOCA VERMELHA


"Talvez uma alusão à histórica Praça Vermelha da antiga União Soviética, a capital de São Paulo também teve a sua Praça Vermelha, reduto do Partido Comunista Brasileiro, no bairro da Mooca, zona Leste da cidade. Berço do sindicalismo paulista da primeira metade do século 20, ali a força política e ideológica dos moradores era tão grande que nas eleições de 1947 o partido obteve 34% dos votos válidos, elegendo três dos quinze vereadores comunistas. No entanto, naquele mesmo ano, o partido começou a dar sinais de fragilidade e de não resistir às pressões externas e à ilegalidade, decretada em maio daquele ano.

Se antes a Mooca era um dos bairros mais importantes da cidade, a partir dos anos 50 passa por um processo de "desindustrialização" com o conseqüente abandono e degradação. Antes, porém, a Mooca detinha a maior concentração industrial, principalmente indústrias têxteis e de alimentos. Era um bairro que concentrava grandes populações de imigrantes italianos (maioria), espanhóis, portugueses e "hungareses" - como são chamados, ainda hoje, os imigrantes oriundos da Europa centro-oriental, russos, lituanos, ucranianos, iugoslavos e húngaros. "Por conta dessa variedade de origens, a Mooca foi um dos bairros mais heterogêneos da cidade de São Paulo", diz o professor de história Adriano Luiz Duarte, da Universidade Federal de Santa Catarina.

Um exemplo disso deu-se com a criação, ainda em meados de 1945, dos Comitês Democráticos e Populares, sob inspiração do recém-legalizado Partido Comunista. O pesquisador explica que inicialmente esses comitês deveriam funcionar como núcleos para agregar simpatizantes e potenciais eleitores do partido. No entanto, com o envolvimento nas questões específicas dos bairros, rapidamente esses comitês se transformaram em referência tanto para os pedidos de moradores quanto eletricidade, pavimentação, escolas, postos de saúde, quanto de centros de atividade social, onde eram ministrados cursos de alfabetização de adultos, corte e costura e marcenaria.

Seu imenso espólio organizacional era avidamente disputado por partidos e políticos locais. A Mooca, com quase 100 mil habitantes, era o bairro mais populoso da cidade de São Paulo, além de possuir o maior colégio eleitoral, com mais de 30 mil eleitores. Os maiores beneficiados com a "extinção" do PCB eram duas figuras conhecidas no cenário político nacional: Adhemar de Barros e Jânio Quadros (...)".

> LEIA NA ÍNTEGRA: MEMÓRIAS POLÍTICAS DA VELHA MOOCA (Jornal da Unicamp. Edição 190, 16 a 22/9/2002).

TRAJETÓRIA DO PCB

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A trajetória do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 25 de março de 1922, é parte constitutiva da história do Brasil. Se, na sua gênese, convergiram os ideais libertários do nascente proletariado, no seu desenvolvimento e consolidação com a força e referencial político foram sintetizados os processos de maturação do conjunto dos trabalhadores e do melhor da cultura brasileira. Quando se tornou um verdadeiro partido nacional de massas, no imediato pós-guerra, o PCB revelou-se a instância de universalização de uma vontade política que fundia o mundo do trabalho com o mundo cultural. Intelectuais do porte de Astrojildo Pereira (um de seus fundadores), Caio Prado Jr., Graciliano Ramos e Mário Schenberg vinculavam-se aos projetos sociocêntricos que tinham nas camadas proletárias o sujeito real da intervenção social.
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Se a história do PCB foi marcada por uma sistemática repressão, que o compeliu à clandestinidade por mais da metade de sua existência e que entregou ao povo brasileiro boa parte de seus maiores heróis do século XX, nem por isto o PCB foi um partido marginal. Ao contrário: da década de vinte aos dias atuais, os comunistas, com seus acertos e erros, mas especialmente com sua profunda ligação aos interesses históricos das massas trabalhadoras brasileiras, participaram ativamente da dinâmica sóciopolítica e cultural do país. Por isto mesmo, resgatar a história do PCB é recuperar a memória de um Brasil insurgente e comprovar que só pode fazer futuro quem tem lastro no passado.
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Os primeiros anos, que vão da fundação do Partido a 1930, assinalam o esforço de criar no país uma cultura socialista e um modo proletário de fazer política - recorde-se que, ao contrário de outros países, o Brasil não teve, antes de 1922, qualquer experiência partidária anti-capitalista de alguma significância(excetuada a pioneira ação dos anarquistas, cujo protagonismo esgotou-se com a greve geral de 1917).
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Nestes anos, realizando três congressos (o de fundação, em 1922, e os de 1925 e 1928/29) e já operando na clandestinidade, o PCB dá conta da sua dupla tarefa: de um lado, traduz e divulga o Manifesto do Partido Comunista e lança o jornal A Classe Operária; de outro, dinamiza o movimento sindical com uma perspectiva classista e insere-se no cenário da política institucional, através do Bloco Operário Camponês.
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Em 1930, reconhecido pela Internacional Comunista e tendo criado a sua Juventude Comunista, o PCB já multiplicou por quinze os 73 militantes de 1922.A década de trinta marca dois movimentos na trajetória do PCB: o primeiro, até 1935, de fluxo; o segundo, até 1942, de refluxo - ambos compreensíveis na moldura das transformações que a sociedade brasileira vive com a chamada Revolução de 1930, que pôs fim à Primeira República e abriu o ciclo varguista.
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Mesmo sem um programa visível no processo que derrubou a república oligárquica, o PCB logo se coloca como uma força política importante nesta nova quadra da história brasileira: é a organização que mais coerentemente enfrenta a maré-montante do integralismo, simulacro nacional do fascismo que crescia no mundo. Já contando em suas fileiras com o concurso de Luis Carlos Prestes - que haveria de se tornar o seu dirigente mais conhecido - o PCB articula uma grande frente nacional antifascista, propondo à sociedade um projeto de desenvolvimento democrático, antiimperialista e anti-latinfundiário: o Partido é o núcleo dinâmico da Aliança Libertadora Nacional que, posta na ilegalidade, promove a insurreição de novembro de 1935.
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Derrotada a insurreição, abate-se sobre o país uma vaga repressiva, que atinge o campo democrático, mas especialmente o PCB que, até inícios dos anos quarenta, viverá os seus piores dias, inclusive com prisões sucessivas de seu núcleo dirigente. Mas nem essa duríssima clandestinidade impediu que os comunistas cumprissem com seus compromissos, até mesmo os internacionalistas: o PCB não só organizou a solidariedade à República Espanhola como, ainda, enviou combatentes para as Brigadas Internacionais. As conjunturas nacional e internacional (recorde-se a derrota fascista de Stalingrado) favoreceram a ação dos democratas brasileiros na abertura dos anos quarenta e, como força inserida no campo da democracia, os comunistas têm então possibilidade de intervenção.
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Recuperando-se das perdas orgânicas dos anos imediatamente anteriores, o PCB - que exigira a participação do Brasil na guerra contra o nazi-facismo e orientara seus militantes a se incorporarem na Força Expedicionária Brasileira (e muitos deles voltarão do campo de batalha reconhecidos oficialmente como heróis) - se reestrutura, com a célebre Conferência da Mantiqueira (agosto de 1943).
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A partir dela, o Partido conquista espaços na vida política e, quando da redemocratização, cujo marco é 1945, torna-se um partido nacional de massas (200.000 filiados em 1947) - conquistando então sua plena legalidade, constitui significativa bancada parlamentar e é a vanguarda democrática na Assembléia Nacional Constituinte.
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Protagonista essencial dos processos políticos, o PCB centraliza o movimento sindical classista, cria uma notável estrutura editorial e jornalística e empolga a intelectualidade democrática. Mas este movimento de afirmação política é brutalmente interrompido pela Guerra Fria: entre 1947 e 1948, o Partido é posto na ilegalidade e perseguido.
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Compelido à clandestinidade, o PCB responde à truculência do governo do Marechal Dutra com um política estreita e sectária (expressa nos Manifestos de 1948 e 1950), o que conduz os comunistas a um profundo isolamento, além de dar início à luta interna entre as facções partidárias. As tensões explodem em 1956, com o impacto do XX Congresso do PCUS: a denúncia do chamado "culto à personalidade de Stalin" cataliza, no interior do PCB, a emersão de divergências e conflitos reprimidos por uma década.
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A luta interna que se seguiu ao impacto causado pelo XX Congresso do PCUS (na qual, além de um número expressivo de militantes, o PCB perdeu importantes dirigentes e quadros intelectuais) começou a se definir em março de 1958, quando se divulga a Declaração Política que propõe uma nova perspectiva política para a ação dos comunistas. A Declaração vincula a conquista do socialismo à ampliação dos espaços democráticos e formula uma estratégia de longo prazo.
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O V Congresso do PCB (setembro de 1960) consolida esta orientação e põe como tarefa imediata a conquista da legalidade, para o que o Partido se adeqüa juridicamente (inclusive com a mudança de sua designação de Partido Comunista do Brasil para Partido Comunista Brasileiro). Posteriormente, o nome Partido Comunista do Brasil, com a sigla PCdoB, seria restaurado por dirigentes e militantes comunistas que saíram do Partido e criaram em fevereiro de 1962, uma outra organização, que haveria de se vincular sucessivamente, ao maoísmo e ao hoxismo.
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Com a nova orientação, o PCB experimenta grande crescimento e, renovando amplamente o seu contingente de militantes, passa a exercer papel hegemônico na intelectualidade de esquerda e, principalmente, aumenta sua influência no movimento sindical, articulando alianças amplas e flexíveis, que se mostraram eficazes em certas conjunturas políticas difíceis como, por exemplo, a posse de João Goulart, em setembro de 1961. Contudo, muitas vezes, estas alianças, justamente por sua amplitude, colocaram o Partido a reboque do interesse de outras classes, fragilizando seu papel de vanguarda política. Foi neste sentido que o golpe de abril de 1964 não encontrou nem as forças democráticas, nem o Partido em condições de resistência imediata, sendo imposto ao PCB mais um duro período de clandestinidade.
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A brutal repressão que se seguiu ao golpe, afetando o conjunto das forças democráticas, atingiu fortemente o PCB. O Partido, porém, logo se recompôs e definiu uma linha de ação anti-ditatorial centrada na recusa de quaisquer propostas que não envolvessem ações políticas de massas . Esta recusa ao foquismo e às várias formas de intervenção armada e de esquerdismo custou ao PCB a perda de importantes dirigentes, entre eles, Carlos Marighela, Mário Alves, Jacob Gorender e Apolônio de Carvalho. Esta orientação foi ratificada no VI Congresso que o PCB realizou em dezembro de 1967, numa vitória contra a ditadura. Os anos seguintes, balizados pela fascistização do regime ditatorial (principalmente a partir do Ato Institucional no 5 , de dezembro de 1968), marcaram, paradoxalmente, a comprovação do acerto da estratégia política do PCB e sua vulnerabilidade orgânica à repressão. Ao mesmo tempo em que a combinação da ação política clandestina com a utilização dos espaços legais (especialmente através da atuação no interior do MDB) revelava-se a forma correta de isolar o regime ditatorial, o PCB era violentamente golpeado. Entre 1973 e 1975 um terço de seu Comitê Central foi assassinado pela repressão e milhares de militantes submetidos à tortura, alguns até a morte, entre os quais o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manuel Fiel Filho.
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Nem por isto, os comunistas deixaram de intervir ativamente na vida brasileira, mesmo tendo a maioria da sua direção exilada, desenvolvendo uma política que privilegiava a unidade das forças democráticas. Assim, com a conquista da anistia, que fazia parte do programa do PCB desde o VI Congresso (1967), em setembro de 1979, o retorno de dirigentes e militantes que estavam no exterior e a volta à vida social de quadros que estavam na clandestinidade, foram um elemento central na dinamização da luta contra a ditadura em sua crise evidente.
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Reestruturando-se em todo o país desde 1979, o PCB realizou, em dezembro de 1982, o seu VII Congresso, que formulou uma linha política para as novas condições da sociedade, sob o título "Uma alternativa democrática para a crise brasileira". O PCB atualizava o seu projeto de tornar-se um partido nacional de massas vinculando organicamente o objetivo socialista a um democracia de massas a ser construída no respeito ao pluralismo e nos valores fundamentais da liberdade.
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Entretanto, o Partido, no encaminhamento deste Congresso, viu-se mais uma vez engolfado por lutas internas de graves conseqüências. Por um lado, o eurocomunismo havia construído sólidas bases no pensamento partidário. Embora não contassem com grande número de militantes e dirigentes que se assumissem como tal, as formulações centrais do eurocomunismo permeavam todas as teses congressuais. Por outro lado, o grupo liderado por Luiz Carlos Prestes, divergindo da orientação da maioria do Comitê Central, rompe com o Partido após inúmeros embates que vinham se acirrando desde o exílio.
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Devido às divergências internas e ao fato de o Congresso não ter terminado, tendo sido invadido pelas forças de repressão, o Comitê Central somente no ano de 1984 consegue publicar o documento final de “Uma Alternativa Democrática para a crise brasileira”. O documento aprovado é permeado de contradições geradas pela tentativa de contemplar as principais facções e amortecer, por alguns anos, uma possível fragmentação partidária.
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Mesmo assim, tendo como Secretário Geral Giocondo Dias, o Partido alcançou ganhos na cena política, apesar de muito enfraquecido no interior dos movimentos sociais (especialmente no interior do movimento operário, no qual sua política de conciliação de classes viu-se amplamente questionada). Esta débil inserção nos movimentos sociais acabaria por fragilizar a intervenção política do PCB, apesar da sua relevância nas articulações institucionais da esquerda e do campo democrático. Assim, no decurso da derrota da ditadura e da transição democrática, o Partido não se afirmou como organização de massas.
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O VIII Congresso (Extraordinário), já realizado sob condições de legalidade, em julho de 1987, não fez avançar o PCB: importantes questões táticas (por exemplo, a ação sindical e a política de aliança) e estratégicas (o próprio formato da organização partidária, a concepção de um caminho brasileiro para o socialismo) não foram efetivamente equacionadas.
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Uma crise velada atingia o conjunto partidário, expressa na estagnação do contingente de militantes, na perda de inserção no movimento sindical, na pobreza dos resultados eleitorais e na ineficiência dos instrumentos partidários, como o semanário Voz da Unidade e todas as publicações da Editora Novos Rumos, que não eram legitimados pela militância.
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O IX Congresso (1991), levado a cabo na seqüência da queda do Muro de Berlim, mostrou o Partido dividido, desde o Comitê Central até as bases, entre aqueles que desejavam capitular frente à ofensiva neoliberal e adaptar-se ao novo ciclo de hegemonia burguesa e aqueles que propugnavam a reconstrução revolucionária do Partido. Já neste processo, os liquidacionistas pretendiam mudar o nome e o caráter marxista-leninista do Partido, sendo impedidos de fazê-lo pela enorme resistência de alguns dirigentes e das bases partidárias.
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A crise explode no X Congresso extraordinário (janeiro de 1992, em São Paulo), montado com o único intuito de, finalmente, levar a cabo as propostas liquidacionistas. O embate se dá entre uma maioria numérica forjada, da qual participavam não-filiados ao PCB e membros de outros partidos, e os militantes do Movimento Nacional em Defesa do PCB, isto é, entre os que criam o Partido Popular Socialista - PPS e aqueles que reclamam a continuidade do PCB.
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No mesmo instante em que a maioria forjada votava pela liqüidação do Partido, os militantes do Movimento Nacional em Defesa do PCB, após exporem sua decisão e objetivo na abertura do espúrio X Congresso se retiram em passeata até o Colégio Estadual Roosevelt. Ali, foi realizada a Conferência Extraordinária de Reorganização do PCB, que decidiu, por aclamação, pela continuidade do Partido, com manutenção do seu nome e sigla históricos, prosseguindo na luta pelo socialismo.
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A luta pela existência do PCB se deu em várias frentes: na luta de massas e no nível legal e institucional. Os militantes mantiveram vivo o Partido nos movimentos de massa, afirmando nos espaços de luta popular a reconstrução revolucionária do PCB. Na Justiça Eleitoral, foi travado um embate de mais de um ano pelo direito ao uso da sigla histórica. Ao final da disputa legal, a sentença do então ministro do TSE, Sepúlveda Pertence, deixou claro que a sigla PCB e seu símbolo só poderiam pertencer a quem de fato se afirmava herdeiro do legado político e histórico do Partido.
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A próxima tarefa que se impôs aos militantes comunistas foi a batalha pela legalização e registro definitivo do PCB. A campanha de filiação para atender às rigorosas exigências do TSE - a filiação em 20% dos municípios de 9 estados - começou em 1994. Foram exigidos tremendos sacrifícios da direção e da militância, tanto em nível pessoal quanto financeiro, mas foi completada com êxito no final de 1995.
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Embora fosse árduo o esforço pela legalização, não foi a campanha de filiação a única atividade do PCB neste período. Iniciou-se a reorganização do Partido nos movimentos de massa, especialmente nos movimentos estudantil e sindical. Neste período, para definir nova linha política e o caráter do Partido, foram realizados uma Conferência Política Nacional (1995) e dois Congressos: o X Congresso (1993) e o XI Congresso (1996). Estes ricos processos de debates da militância partidária, afastaram de vez qualquer formulação reformista, e enfatizaram o caráter revolucionário do PCB. Retomaram o conceito de centralismo democrático, de acordo com suas origens, e reafirmaram o caráter marxista-leninista do Partido.
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Nos últimos anos tem se intensificado o trabalho de estruturação interna do Partido e sua inserção nos movimentos de massa. Através, principalmente do movimento sindical e estudantil e da participação nas entidades representativas, o Partido afirma a centralidade do trabalho, e a necessidade da revolução social. É através deste trabalho, também, que o partido vem recrutando e formando novos militantes e formulando sua intervenção junto às massas.No mês de abril de 2000 realizou-se o XII Congresso. Além de aprofundar sua leitura sobre a conjuntura política nacional e internacional, e formular a sua atuação política, os comunistas do PCB avançaram em outras questões que se colocam para a sociedade no enfrentamento à exploração capitalista. A construção de uma frente das esquerdas em um projeto de confronto ao neoliberalismo e a unidade dos comunistas no Brasil, foram importantes resoluções aprovadas pelo Congresso. A consolidação da política de organização leninista foi concretizada na aprovação do novo estatuto partidário.
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Em março de 2005, o PCB realizou seu XIII Congresso e reforçou a compreensão de que a "revolução socialista é um processo histórico complexo", isto é, que o "triunfo do Socialismo não é um fato que acontecerá de forma natural ou inexorável, como afirmam algumas leituras mecanicistas da obra de Marx, mas sim uma possibilidade histórica que deve ser construída" .Na entrada do novo milênio e completando 85 anos de existência, o Partido Comunista Brasileiro fortalecido das tradições e da luta dos comunistas em todo o mundo, reafirma a necessidade histórica de superação do capitalismo, que se dará apenas pela libertação das classes trabalhadoras, na perspectiva do socialismo rumo à sociedade comunista.
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Foto: De pé da esquerda: Manoel Cendon, Joaquim Barbosa, Astrojildo Pereira, João da Costa Pimenta, Luis Peres e José Elias da Silva; sentados, da esquerda para a direita: Hermogênio Silva, Abílio de Nequete e Cristiano Cordeiro. In. DULLES, John W. F. Anarquistas e comunistas no Brasil: 1900-1935. Tradução César Parreiras Horta. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. (AEL, Fundo Mário Carvalho de Jesus)/Unicamp .
Fonte: PCB

JOAQUIM NUNES COUTINHO CAVALCANTI (1906-1960)*


Clayton Romano
Historiador - Membro do PCB-Rio Preto

Como se sabe, a trajetória dos comunistas é parte constitutiva - indissociável até - da história de lutas da classe trabalhadora e da esquerda partidária no Brasil.

Fundado em 1922 sob forte influência da Internacional Comunista (órgão criado pelos bolcheviques russos com a tarefa de consolidar as palavras de Lênin e fazer da revolução de 1917 o farol dos proletários em todo o mundo), o Partido Comunista Brasileiro desempenhou importante papel na formação política e cultural do país ao longo do século 20. Além da organização classe operária próprimente dita, basta lembrar de alguns nomes para se comprovar a eficácia da função sócio-pedagógica desenpenhada pelo PCB: Caio Prado Júnior, Cândido Portinari, Jorge Amado, Dias Gomes, Oscar Niemeyer, Ferreira Gullar....

Nestas terras de Iboruna [1], a presença do "espectro" do comunismo também remonta ao início do século passado. E ao contrário do que se poderia supor de antemão, a dificuldade de acesso, a distância em relação ao grandes centros, em especial o Rio de Janeiro, não impediu que a utopia comunista chegasse até Rio Preto.Pelo menos desde o início dos anos 10, era comum a elite da cidade enviar seus filhos à capital da República, certa de que lá estavam as melhores instuições de ensino do Brasil. Tal prática motivou uma aproximação cultural e mesmo "geográfica"- antes improvável - entre Rio Preto e Rio de Janeiro.

Não resta dúvida de que, quando voltavam de lá, os estudantes traziam sempre novidades na bagagem. O gosto pelas Ciências, pelas Letras, a vocação para as Artes Cênicas e Plásticas, tão incomuns nos rincões deste Brasil, aqui se tornaram elementos constitutivos da identidade cultural da cidade. Até mesmo o viés cosmopolita da elite riopretense, ainda vigente, parece expressar alguns traços daquele contato "intelectual" com a velha capital da República.

A migração de cariocas para o sertão de Iboruna também foi determinante. As bases da medicina praticada em Rio Preto, por exemplo, vieram de profissionais oriundos do Rio de Janeiro. Raul Jansen Ferreira e Eduardo Floriano Lemos, dois dos precurssores da medicina na cidade, eram formados no Rio, ambos pela Faculdade de Medicina da Praia Vermelha (ver: Nilza Prata Bellini. Histórias e Memórias - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, 1998, p. 9).

E com o comunismo não foi diferente...

Como não poderia deixar de ser, sua difusão na cidade se deu a partir da elite. Afinal, como decifrar e ser portador do materialismo dialético num contexto (início dos anos 30) em que a maioria absoluta da população não sabe ler ou escrever?

Instalada por volta de 1890, a colônia italiana poderia ter sido outra difusora do comunismo, uma vez que desde o início da década de 1910, "os italianos tinham uma atuação pública efervescente na cidade, fundando nesta época a Banda União Operária e a Liga Operária".

Contudo, além da conhecida proximidade dos italianos (e espanhóis) com as idéias anarquistas, a chegada de Romoaldo Negrelli na década seguinte teria alterado profundamente o significado do ímpeto combativo e associativo dos itálicos, impedindo qualquer aproximação com o marxismo:

"Abastado financeiramente, Romoaldo deu um novo perfil à colônia italiana, fundando na cidade a Sociedade Italiana Cesare Battisti e o Partido Nazionale Facista - Fasci All'Estero (Sezione di Rio Preto), resumindo: Partido Fascista de Rio Preto" (Dicionário Rio-pretense, 2001, p. 154).

Com isso, coube mesmo à poucos membros membros da elite local os primeiros registros do comunismo em Rio Preto. Talvez o primeiro e mais reconhecido deles tenha sido Coutinho Cavalcanti.

Médico e notório comunista, Joaquim Nunes Coutinho Cavalcanti nasceu em Recife/PE (1/3/1906) e morreu em 28/11/1960, no exercício do terceiro mandato como deputado federal (1951-54/1955-58/1959-60) pelo PTB [2]. Antes havia sido vereador (1936-37), secretário estadual da Saúde e Assistência Social (1956), presidente do Automóvel Clube (1937 e 1950) e prefeito de Rio Preto durante 17 dias, de 1° a 17/4/1935.

Aliás, a história não poupou Cavalcanti de ser vítima em uma das cenas mais infames produzidas pela política local. De acordo com o Dicionário Rio-pretense (2001), "em 15/3/1936, foram realizadas eleições municipais em todo o País para eleger vereadores. Para a Câmara Municipal de Rio Preto, foram eleitos 13 vereadores. O Partido Constitucionalista (PC), liderado pelo médico Coutinho Cavalcanti, foi o vencedor das eleições, elegendo sete vereadores. Nessa eleição, a exemplo das eleições indiretas da República Velha, o prefeito foi eleito pelos vereadores, com a diferença de que desta vez a Câmara podia eleger um candidato que não fosse vereador".

Líder do PC, Cavalcanti estava praticamente eleito prefeito, graças à bancada majoritária do partido. Contudo, "apesar de a eleição ter acontecido em março, a posse dos vereadores só ocorreu em 20 de setembro. Durante esses seis meses, toda a cidade já considerava Cavalcanti como o próximo prefeito".Eis que no dia da votação, tendo o coronel Victor Brito Bastos como adversário, Coutinho Cavalcanti foi traído por "Zé Prudêncio", "que votou contra os interesses do partido [Constitucionalista], favorecendo seu amigo e compadre Brito Bastos". Resultado: Cavalcanti perdeu para o coronel Bastos por 7 votos a 6. Segundo o Dicionário (2001), "o caso teve repercussão nacional. O jornal Folha da Manhã (atual Folha de S.Paulo) classificou o episódio de Rio Preto como uma 'crise de caráter'" (p. 146-147).

Infame!

E o pior é que isso acontece ainda hoje na Câmara Municipal, sem tanto alarde, claro.

Mas voltando ao comunista Coutinho Cavalcanti, há outra passagem igualmente interessante.

Como deputado federal, Cavalcanti foi autor do projeto de lei instituindo a reforma agrária no Brasil, em 1954, posteriormente arquivado pelos militares, em 1971. Diz a lenda que o projeto de Cavalcanti "teria sido aplicado em Cuba por Fidel castro; cópia do projeto teria sido levada a Cuba pelo líder revolucionário Ernesto Che Guevara" (Dicionário Rio-pretense, 2001, p. 337).

Seja como for, importa registrar a presença e a ascendência da cultura comunista na política deste sertão de Iboruna já no início dos anos 30. Naquela época ainda como algo restrito ao universo das elites locais - como o era praticamente tudo aquilo relacionado com o conhecimento -, o comunismo se tornaria mais tarde o combustível de outras importantes experiências de resistência democrática e de organização popular na cidade.

Mas isso já é outra história.Uma coisa é certa: os comunistas têm raízes históricas em Rio Preto, o que, em se tratando de esquerda na cidade, já diz muita coisa. Não?

NOTAS

[1] "Em 1944, durante as comemorações do cinquentenário da emancipação política de Rio Preto, cogitou-se assumir Iboruna como o nome da cidade. Tardia e justa homenagem aos bugres coroados, seus habitantes nativos. Porém, a proposta não prosperou. A população rejeitou a idéia e, dois anos mais tarde, o nome do santo padroeiro passou a preceder o da cidade: São José do Rio Preto...." (IBORUNA21, 24/3/2007).

[2] Com a cassação do registro do PCB, em 1948, os comunistas utilizavam a legenda de outros partidos para a disputa eleitoral, principalmente o antigo PTB getulista.

* Texto originalmente publicado no IBORUNA21 (13/6/07): "COMUNISTAS EM IBORUNA - COUTINHO CAVALCANTI (1906-1960)".